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Vanderlei Poletti dos Santos Junior1 e Heloisa

ANÁLISE DO PROCESSO DAS DECISÕES JUDICIAIS SOBRE SAÚDE QUE REFLETEM NO ORÇAMENTO PÚBLICO




1 Graduado em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Pós-Graduando em Direito Empresarial pela Faculdade Legale.

2 Visiting research no King's College London (2015). Doutora (2017) e Mestre em Direito do Estado (2010) e Graduada (2007) em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Professora de Teoria do Estado e Ciência Política na Universidade Federal do Paraná. Integrante do Centro de Estudos da Constituição (CCONS).


1 INTRODUÇÃO

Nossa atual Constituição, promulgada em 1988, símbolo da redemocratização, chamada de “Constituição cidadã” trouxe evidentes inovações, como o aumento de direitos fundamentais, especialmente sociais. Por outro lado, a Constituição não trouxe os mecanismos necessários para efetivar integralmente tais direitos, pois seguindo o mantra econômico: as necessidades são infinitas, e os recursos são escassos, o que impõe limite à capacidade do estado de concretizar os direitos.

Diante dessa incapacidade, o cidadão muitas vezes busca o Poder Judiciário para que ordene a promoção do direito ou garantia prevista constitucionalmente. O presente trabalho busca analisar exatamente este ponto, o processo das decisões judiciais que concedem tais direitos, como estas decisões acontecem na prática, como podem refletir no Orçamento Público, em seu caráter de previsão orçamentaria e controle de gastos previamente aprovado para tal.

É de suma importância tal analise, pois, estamos tratando do que é fundamental a nossa sociedade: a previsão e proteção de direitos. É fundamental agregar à análise o debate acerca da isonomia, pois não basta conceder individualmente para certas pessoas, sem observar que muitas outras também esperam o mesmo do Estado.

Como já exposto, o problema que orienta a presente pesquisa é o processo dessas decisões do Poder judiciário, seu reflexo ao Orçamento Público. Para isso este trabalho divide-se em seis tópicos, além desta introdução. Inicialmente trataremos brevemente do regime de direitos fundamentais na Constituição da República, depois das chamadas “escolhas trágicas” relacionadas ao conflito entredireitos e insuficiência orçamentária, no item 4 será tratado do orçamento público. No item 5 será abordado especificamente o poder judiciário e decisões acerca de direitos, com impacto orçamentário. Por fim, serão apresentadas sucintas considerações finais.

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E A FALTA DOS MECANISMOS NECESSÁRIOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PARA SUA CONCRETIZAÇÃO

Apesar da importância histórica, política e jurídica, a Constituição da República não trouxe consigo os mecanismos necessários para a concretização dos direitos fundamentais, extensamente definidos em seu texto. A Constituição Federal de 1988 estabelece, por exemplo, em seu artigo 5º “a inviolabilidade do direito à vida”, no art. 196 e seguintes da seção II “da saúde”, dentro do capítulo II da “seguridade social” e do título VIII “da ordem social”: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços”.

Porém mesmo com os artigos 196 a 200 da Constituição Federal, a questão da saúde pública é mais delicada, observando as notórias dificuldades de acesso de parte da população. Ou seja, apesar de seu caráter universal, a inexistência de prestações ainda faz com que nem todos possam ser efetivamente atendidos pelo sistema. Temos muitos pontos em que restam dúvidas, é dever? É, e como fazer para colocar em prática? Quais os mecanismos necessários para obtermos o bem comum, pois, conceder para A ou B não é bem comum, e sim privilegio, algo que é totalmente contrário a Constituição, que busca a promoção da igualdade em nosso País.

Mecanismos estes como, o reconhecimento da eficácia plena dos Direitos e Garantias Fundamentais, ou seja, desde logo possa produzir efeitos, sem a necessidade de produção normativa para que seja conferida eficácia, fazendo jus ao art. 5, § 1º da CF, que habitualmente não é respeitado pelo Estado quando o mesmo se omite em efetiva-los. A vinculação do orçamento público, algo que já acontece em parte, com relação as emendas individuas presentes no art. 166, § 9º e ss da CF, sendo obrigatória a execução pela Administração Pública, salvo exceções de impedimento de ordem técnica.

3 AS ESCOLHAS TRÁGICAS E A ESCASSEZ DE RECURSOS FRENTE AOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

A escassez de recursos “assombra” a grande maioria dos países. Em especial, o Brasil sofre hoje uma crise econômica, ocasionando falta de recursos e motivando cortes em gastos de diversos setores.

Observamos que, com tal escassez far-se-á necessárias algumas escolhas a serem realizadas, em última análise pela Administração Pública. Mas entendemos que também o próprio Executivo e o Legislativo fazem as conhecidas “escolhas trágicas”, no momento da iniciativa do Poder Executivo e apreciação, elaboração de emendas pelo Congresso Nacional do Orçamento Público. Kanayama trata a respeito desta situação dizendo que “há situações em que o governo deve optar entre o caminho A ou B. Evidentemente que, em outras ocasiões, os recursos podem ser repartidos de forma proporcional, com atendimento parcial das necessidades”.3

Tais “escolhas trágicas” partem do fato de que o Estado não tem condições de prover todos os direitos e garantias fundamentais a todas as pessoas ao mesmo tempo.4 Mas, ao mesmo tempo, busca é respeitar, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana e a busca pelo bem comum. Trazemos a noção do princípio da eficiência da administração pública, art. 37 da Constituição Federal, que podemos entender como o que impõem a Administração Pública a busca pelo bem comum, a utilização dos recursos públicos da melhor forma possível, para que não tenhamos desperdícios e para que seja possível realizar o máximo com menos recursos.

Sendo assim, tais escolhas consistem em definir quais serão as prioridades, sabendo-se de antemão da impossibilidade de garantir todos os itens importantes. Poderíamos elencar outros motivos para estas escolhas como questões ideológicas de nossos representantes, que se mostram cada vez mais em posição de destaque como motivos para beneficiar certos direitos e garantias fundamentais que estes tenham como mais relevantes, em detrimento de outros que também estão previstos na Constituição Federal.

4 ORÇAMENTO PÚBLICO

O Orçamento Público tem papel central neste tema. E devemos ter algumas noções a seu respeito para melhor análise. Primeiramente, o Orçamento Publico é um instrumento de controle, pelo qual o Estado o utiliza para previsão de gastos públicos frente aos recursos arrecadados, na forma estabelecida na Constituição Federal de 1988, nos artigos 163 a 169. Este Orçamento possui três funções importantes, segundo Ricardo Lobo Torres, que são: a política, a econômica e a reguladora.5

A função política corresponde ao relacionamento entre os poderes, que é afetado por três questões, o fato de nossa nação ser presidencialista, a necessidade deste instrumento realizar a democracia e por último, ideologia de grupos e partidos políticos.6 A função econômica, entende-se como a forma que o Estado encontrou para planejar da melhor forma os seus gastos. Segundo Ricardo Lobo Torres, adotamos a teoria do equilíbrio orçamentário, e que esta trabalha em cima da interdisciplinaridade, ou seja, uma união de duas ou mais disciplinas. No caso, juristas e economistas, o primeiro se preocupará com questões legais, e o segundo com um estudo aprofundado a respeito da economia e quais efeitos a busca do equilíbrio orçamentário pode causar sobre a economia.7

Já a função reguladora, entendemos que é através desta que, o Orçamento serve como ferramenta de regulação do relacionamento entre os poderes, tendo como base a parcela de competência que cada poder possui sobre este, com o proposito de limitar os poderes. Diminuindo a exagerada discricionariedade que gozaria a Administração Pública dentro do orçamento aprovado, através da efetivação dos gastos e implementação de políticas públicas.8

Para obter planejamento orçamentário para o Estado a CF 88 estabelece a necessidade de três leis para orçamento: o Plano Plurianual, as Diretrizes Orçamentárias e os Orçamentos Anuais9. Segundo Torres “Os três se integram harmoniosamente, devendo a lei Orçamentaria Anual respeitar as Diretrizes Orçamentarias, consonando com o Orçamento Plurianual (art. 165, § 7º, 166, § 4º, 167, §7º)”.10

Fato é que se busca através da utilização deste instrumento a concretização dos direitos e garantias fundamentais previstas, porém na prática observamos que tem sido falha, a tentativa do cidadão em obter através de políticas públicas a concretização de diversos direitos fundamentais, seja por falta de previsão orçamentária ou pouco recurso aplicado, motivo pelo qual justificam a não prestação.

O Judiciário como o último ente que a sociedade poderá buscar caso haja tal omissão, e este tendo que prestar a tutela jurisdicional frente a uma situação fática em que se discute um Direito ou Garantia Fundamental e de outro lado o Estado argumentando que não tem recursos para tal, são grandes as possibilidades de quem busca, conseguir essa concretização, até mesmo através de liminar em sede de tutela de urgência. No sentido de definição de políticas, portanto, de priorização das demandas, mostra-se importante conhecer o Conselho Nacional de Saúde e como se dá a sua atuação no orçamento público.

Este Conselho possui finalidades que demonstram enorme importância e que deveriam, na prática, serem levadas em maior consideração. Suas finalidades estão previstas no art. 2, da resolução nº407, de 12 de setembro de 2008:

Art. 2º O CNS tem por finalidade atuar na formulação e no controle da execução da Política Nacional de Saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, nas estratégias e na promoção do processo de controle social em toda a sua amplitude, no âmbito dos setores público e privado.11

Portanto, podemos observar que o Conselho Nacional de Saúde atua na formação e controle da execução das políticas nacionais de saúde, inclusive nos aspectos econômicos, financeiros e estratégicos. Que são importantes funções, tendo em vista a falta de controle de execução da sociedade sobre tais questões, que muitas vezes estão fora do alcance destes. Trazendo enfim a promoção do processo de controle social, ou seja, dar a sociedade a possibilidade de participar, de trazer as suas necessidades, promover o controle e fiscalizar.


Segundo art. 11 desta resolução nº 407, compete ao plenário da CNS, aprovar a proposta setorial da saúde, nas três partes que compõem o Orçamento Público, participar do Orçamento da Seguridade Social, na busca de compatibilizar os planos e metas previamente aprovados12.

Portanto, observa-se que o CNS busca aproximar a população do próprio estado, otimizar o caráter democrático das atividades do Estado.

Assim, consideramos que o CNS poderia ter um papel importante na definição das prioridades acerca das políticas envolvendo direito à saúde, desta forma haveria maior transparência e deixaria margem menor para que o judiciário tivesse que intervir em tema tão sensível.

5. PODER JUDICIÁRIO: PROCESSO DAS DECISÕES QUE BUSCAM CONCRETIZAR DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS E SEU REFLEXO FRENTE AO ORÇAMENTO PÚBLICO.

Como observado anteriormente, os casos em que a sociedade não consegue obter a concretização de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, através do Estado através de políticas públicas ou outras formas, acabam por demandar frente ao poder judiciário, para que através deste possam então obtê-las. Importante dizer que, em um país como o Brasil, com grande desigualdade social, muitas pessoas inevitavelmente precisam de maior amparo do Estado para que possam ter uma vida digna. A análise neste momento passará a tecer a respeito de como tem atuado o Judiciário nestas demandas, como se posiciona e o que podemos observar frente a isto e por fim a respeito do impacto ao Orçamento Público.

5.1 CASOS ENVOLVENDO A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO EM DEMANDAS DE SAÚDE

Da análise da jurisprudência envolvendo direito à saúde verifica-se que é bastante comum decisões pela concessão do direito pleiteado. Como exemplo o ARE nº 716.777, julgado pelo STF em 2013 sob relatoria do Min. Celso de Mello. A ação tratava de paciente portadora de doença oncológica, destituída de recursos financeiros e pleiteava pelo fornecimento gratuito de um tratamento. Decidiu o Supremo Tribunal Federal que o direito à vida e à saúde é essencial e é dever do Estado (CF, arts. 5º, caput e 196), portanto, deve se preservar a integridade deste, sendo de responsabilidade solidária dos entes federativos.13

Em outra oportunidade em debate sobre acesso à justiça, julgou o Supremo Tribunal Federal a ARE nº 763.667, caso em que, as pessoas de determinada cidade no Estado do Ceará, tinham que se submeter a custoso deslocamento até outra comarca em busca de uma defensoria mais bem estruturada. Também sob relatoria do Min. Celso de Mello, decidiu-se que pelo art. 5º, inciso LXXIV da CF, é direito das pessoas necessitadas o atendimento integral, na comarca em que reside, pela defensoria pública. Sendo imprescindível que o Estado forneça uma defensoria pública bem estruturada para conferir efetividade ao Direito Fundamental. Configurando no caso, uma omissão estatal, que frustra um Direito Fundamental de acesso à assistência jurídica. Tem o Judiciário legitimidade nesta atuação, ou seja, na concretização de políticas públicas previstas na Constituição Federal e não efetivadas pelo Poder Público. Impossibilidade do uso da reserva do possível para legitimar o injusto inadimplemento de seus deveres. Faz, portanto, segundo o julgado, um controle jurisdicional sobre a atuação do Estado, nas suas omissões e excessos.14

Na apelação nº 0149993-83.2018.8.21.7000 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, tratou-se de caso em que menor representado por sua genitora, ajuizou ação de obrigação de fazer c/c tutela antecipada contra o Estado do Grande do Sul e Município de Terra de Areia, em que busca a condenação dos réus para o fornecimento de suplemento alimentar, 12 latas por mês e fraldas, 17 pacotes por mês. Alegando ser indispensável em razão de ausência congênita de anus que o menor possui, além de não possuir a genitora condição de arcar com os custos. Decidiu a oitava câmara que, deve ser prestado diante do risco de lesão grave e de difícil reparação, sendo responsabilidade do Poder Público o cumprimento de previsão Constitucional, art. 5, § 1º e art. 196. O fornecimento do suplemento e das fraldas é medida necessária para a vida saudável e digna do menor. Não podendo o Estado se omitir de sua responsabilidade. A alegação feita pelo Município que tal concessão violaria o princípio da legalidade e de afrontar a segurança e saúde dos demais pacientes, não prosperou porque o que era pleiteado pelo menor, é algo indispensável a sua saúde. Por fim foi refutada alegação do Município de carência orçamentária, “devendo o ente público organizar-se para sua efetivação, uma vez que o interesse do erário não pode prevalecer ao interesse da criança”.15

Como observado, até então que o Poder Judiciário tem decidido a favor dos direitos e garantias fundamentais, mesmo que levem à impactos financeiros e orçamentários. Por outro lado, não observamos preocupação com as consequências econômicas que tais decisões podem causar ao Orçamento Público. A situação é delicada, o magistrado encontra-se diante de situações em que de um lado temos Direito e Garantia Fundamental e dos outros interesses financeiros do Estado, é inegável a escassez de recursos. Mas sob a análise dos casos concretos, entre valores e interesses financeiros, a ponderação tende aos valores, em regra, existem algumas exceções, por exemplo, em questões relativas a direito de saúde, foram traçados alguns critérios, que serão abordados mais adiante.

Continuando, cito um trecho usado como fundamentação em julgado a respeito de judicialização da saúde, em que o autor, portador de Neoplasia, pede condenação do Estado de Santa Catarina e Município de Blumenau ao custeio de remédio ABIRATERONA (ZYTIGA), sendo este no valor de R$ 11.526,28, naquele ano, impossibilitando o autor de suportar tal custo.16 Na sentença do Juiz João Baptista Vieira Sell, ele usa trecho de uma apelação cível, julgada pelo TJ-SC, relatoria do Des. Luiz Cézar Medeiros, em que ele diz que o Poder Judiciário tem conhecimento do rigor da Constituição Federal vedando realizações de despesas além das previstas no Orçamento Público. Porém, o Poder Judiciário como pacificador dos conflitos sociais e defensor da Justiça e do bem comum, age, segundo o magistrado, de forma justa quando defende o bem maior, ou seja, defendendo os direitos e garantias fundamentais. 17

Como dito anteriormente, existem algumas exceções, ou seja, critérios definidos para que haja a concretização, o fornecimento, pelo menos no que diz respeito a Direito Fundamental à saúde. Segundo decisão do Supremo Tribunal de Justiça, a respeito da concessão de tutela judicial no fornecimento de medicamentos que não integram as listas oficiais do SUS, o STJ firmou tese para este tipo de situação:

(i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. 18

Portanto, os requisitos são: a necessidade ser comprovada por laudo médico, a incapacidade financeira de arcar com o custo e a existência de registro na ANVISA. Isso é importante, pois, podemos entender que, nem sempre vai ser fornecido, alguns requisitos devem ser preenchidos.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal, julgou ação acerca do fornecimento público de remédio sem registro na ANVISA. O plenário do Supremo decidiu no dia 22 de maio de 2019, fixando a seguinte tese para efeito de aplicação da repercussão geral:

1) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2) A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: I – a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras; II – a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; III – a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4) As ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão ser necessariamente propostas em face da União.19

Desta maneira, observamos a preocupação do Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, em traçar critérios para essas concessões. De modo a trazer a decisão dos magistrados a preocupação com a limitação de recursos públicos, através de critérios estabelecidos pelo Supremo.20 Demonstra que o Poder Judiciário, se posicionou de maneira a restringir as concessões, sopesando entre a concessão e a finitude dos recursos públicos, presente no orçamento e destinados a saúde pública. A excessiva judicialização traz consequências, quem consegue obter este direito através de decisão judicial acaba por ter um privilegio frente aos que não usufruíram desta oportunidade, e estes últimos ficaram fadados ao planejamento orçamentário e serão prejudicados ainda mais pela escassez de recursos. Por esta razão tais critérios são de grande relevância a busca do bem comum.

O fato dos recursos serem escassos é um grande problema para que os Direitos e Garantias Fundamentais sejam atendidos. Na medida em que, a concessão deste terá impacto ao Orçamento Público e que este mesmo Estado deverá se alinhar para poder suportar essa determinação judicial e continuar simultaneamente atendendo o que fora aprovado na Lei Orçamentária Anual. A concessão ao caso específico poderá em determinadas situações de um ente que não esteja organizado economicamente para suportar tal demanda, acarretar até mesmo a não concessão dos mesmos Direitos e Garantias Fundamentais aos indivíduos como um todo.

5.2 IMPACTO DA JUDIALIZAÇÃO DA SAÚDE

Trazemos uma tabela apresentada junto ao relatório de auditoria operacional que consolida Fiscalização de Orientação Centralizada (FOC) relativa a judicialização da saúde no Brasil, orientada pela Secretaria de Controle Externo (SecexSaúde):

Tabela 1 – Gastos estaduais com judicialização da saúde, por secretaria e ano (em R$) SECRETARIA ESTADUAL 2013 2014

SP 373.524.045,80 394.468.176,76

MG 232.421.409,00 221.020.083,00

SC 128.681.490,41 156.957.764,20

TOTAL 734.626.945,21 772.446.023,96

Fonte: Dados informados pelas secretarias estaduais de saúde no âmbito dos processos de fiscalização que compõem está FOC (TC 016.918/2015-0: Secex-SP; TC 016.741/2015-3: Secex-MG; TC 016.757/2015-7: Secex-SC). Notas: 1) Os dados da Secretaria de Estado de Saúde de MG incluem apenas medicamentos; 2) Os dados da Secretaria de Estado de Saúde de SP não incluem serviços, contratos e tratamentos médicos.21

Observamos que os impactos dos pagamentos determinados em decisões judiciais não são desprezíveis. E além deste que mostramos existem muitos outros direitos e garantias fundamentais a serem prestados. A própria ação judicial em si demanda gastos, mover a máquina do Judiciário acarreta mais um gasto ao Estado. Deste modo, apresentam ter grande impacto ao orçamento público. Situação que, sobre ótica da macro justiça, traz consequências a todo o coletivo. Pois, o que se usa é dinheiro público, e dinheiro este que não está em abundância para que se possa arcar com qualquer gasto inesperado e ilimitado.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho, analisamos, os Direitos e Garantias Fundamentais, a escassez de recursos, o Orçamento Público, e que, como a atual Constituição Federal não trouxe todos os mecanismos necessários para atender por completo as necessidades existentes, como consequência, acabam-se gerando demandas frente ao Poder Judiciário para que em última alternativa possa a vir conceder.

Não se trata aqui o direito ou a garantia em si, protegida pelo Judiciário e sim a forma com que é feita. O Poder Judiciário não poderá se omitir e deixar o caso concreto sem nenhuma resposta. Mas em verdade não é este quem deveria promover tais prestações positivas ou negativas, direitos e garantias fundamentais, sendo os Poderes Executivo e Legislativo quem deveria trabalhar em resolver tais situações.

Fato é que, para o Judiciário a análise do pedido relativo a saúde, educação, dentre outros direitos e garantias fundamentais, não é nada simples. Conceder ou não, decisão que estará nas mãos do magistrado analisar e julgar a situação, e que não pode se abster deste julgamento, princípio da inafastabilidade jurisdicional, art. 5, XXXV da Constituição Federal. Mas isso deve ser feito criteriosamente, com responsabilidade, pois, quando concedemos um pedido a um caso individual podemos ceifar a possibilidade de outros obterem este direito pelas vias normais, que é pela promoção de políticas públicas e a gestão feita pela Administração Pública do Orçamento previamente aprovado.

Como observado nas decisões do Poder Judiciário a respeito de direitos e garantias fundamentais, deixam claro que frente a colisão entre estes e recursos financeiros, os primeiros em regra são priorizados, a saúde é um direito por excelência, compõem a ideia do mínimo existencial, mínimo para subsistência da pessoa humana, ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana. Porém, com relação a judicialização da saúde, existem exceções, como os critérios traçados pelo STJ e STF analisados no presente trabalho, que seriam a) o cidadão possua recursos próprios para custear o medicamento ou tratamento; b) o medicamento seja experimental; c) medicamento não registrado pela ANVISA.

É importante que se faça justiça não só para um indivíduo, o Poder Judiciário deve agir pensando que outros podem pleitear o mesmo direito ou garantia fundamental e que essa concessão deverá ser concedida de maneira isonômica, a todos, seguindo outro princípio tão importante ao nosso ordenamento, princípio da igualdade. Por isso é importante tal discussão, olhar para tal situação e buscar uma saída que seja em prol do bem comum, que seja menos oneroso para a sociedade que já tanto sofre com suas necessidades.

As demandas de judicialização de direitos e garantias fundamentais concedidas pelo Poder Judiciário, produzem consequências ao Orçamento Público, primeiramente, em sua previsibilidade de receita e despesas, na medida em que acarretam um descompasso no próprio sistema, onde este mesmo Orçamento Público visa poder realizar estes direitos e garantias, com base no que é fora arrecadado e as necessidades que precisam ser atendidas, sobre o fato de que em conjunto tais judicializações se observam altíssimos valores empregados para atender a estas demandas.

Deve-se buscar mudar o quadro atual, e não se acomodar com esta situação. É importante que o contato indivíduo e Estado seja mais fácil, mais direto, sem ter que este demandar no Poder Judiciário, pois, se esta demanda está chegando no Poder Judiciário é porque algo está dando errado, não é preferível que o indivíduo tenha que pleitear seu direito em ação judicial, acarretando demora, custos e conflito entre quem deveria se preocupar com estes assuntos (Estado) e o próprio cidadão.

Ampliar a comunicação entre estes é de grande importância, de modo que os Poderes Executivo e Legislativo possam observar mais de perto as necessidades do povo e trabalhar para mudar isso. Nossos representantes estão lá para promover os anseios da nação, suas necessidades e nada mais justo que façam isso.

Ao longo do presente trabalho, uma forma para realizar tal medida, ou seja, a ampliação da comunicação entre a sociedade e os poderes Legislativo e Executivo como forma de buscar solucionar as recorrentes judicializações, seria o uso dos Conselhos Nacionais, conforme fora exposto na parte final do capítulo 4, do presente trabalho, onde tratamos a respeito do Conselho Nacional de Saúde.

Como já fora demonstrado naquela oportunidade, a finalidade do CNS concerne nos aspectos econômicos e financeiros, estratégias e na promoção do controle social, presente no art. 2 da Resolução nº 407 da CNS. Ora, se o que falta é uma ampliação da comunicação entre a sociedade e os Poderes Legislativo e Executivo, para que haja uma melhor entendimento e reconhecimento das necessidades da sociedade. Seria de grande validade fazer com que esse canal seja mais utilizado, e de fato considerado pelos Poderes Executivo e Legislativo, ou seja, que os resultados obtidos através desta sejam a base, uma ferramenta, para que as Judicializações de Direitos Sociais, por exemplo, não ocorram mais ou pelo menos ocorram em menor número. Possibilitando menos interferência do Poder Judiciário na previsibilidade de gastos do Orçamento Público, ou até mesmo levar a estes Conselhos a existência destas demandas, para que ao invés de somente conceder, se trabalhe em cima do problema para uma real solução. Ampliar o uso destes Conselhos aos entes Municipais e Estaduais. Para que através deste seja feito jus a democracia e o resultado que se espera dos Direitos e Garantias Fundamentais estampados na Carta Magna.

Concluímos, portanto, que abrir caminho para soluções extrajudiciais é um importante passo, ampliar a comunicação da sociedade com os Poderes Executivo e Legislativo através dos Conselhos, diminuindo as demandas judiciais, e também gerir os recursos públicos com responsabilidade em prol do bem comum, fazendo as escolhas corretas ao produzir o Orçamento Público que também tem sua importância na promoção dos direitos e garantias fundamentais. Assim sendo, buscar soluções concretas, não só para o caso individual, mas para o problema em toda sua extensão. Priorizando o povo, sua dignidade como um todo.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 01.06.2019.

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KANAYAMA, Rodrigo Luís. Direito, política e consenso: a escolha eficiente de políticas públicas. Tese (Doutorado em Direito do Estado) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2012

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TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário, volume V: orçamento na Constituição. Renovar, Rio de Janeiro, 3ª ed, 2008.


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